sexta-feira, 28 de abril de 2017

Pedais de efeito de guitarra: Analógico X Digital

Gabriel Kulevicz da Silva, Edilberto Costa Neto
     
É com grande orgulho que apresentamos o primeiro assunto abordado na Oficina do Áudio. Escolhemos como primeira postagem um assunto polêmico que divide opiniões. Quem já não escutou frases do tipo: “Efeito digital é uma porcaria, o analógico é clássico, orgânico, e tem um timbre bem melhor”, ou ainda: “Efeito digital não tem personalidade”. Há aqueles que defendem o digital: “Eu uso digital pela praticidade... Um monte de efeito em um só pedal”, e comentários como esse também são comuns: “Se quiser um pedal digital de qualidade, vai ter que pagar muito caro!”.
        A partir desses e muitos outros comentários que escutamos de músicos, além de várias informações incorretas sobre o que seria um pedal analógico ou pedal digital, resolvemos criar nosso primeiro texto com esse assunto. Fique à vontade para comentar e dizer sua opinião!

Como o sinal de guitarra chega no pedal de efeito?

            Primeiramente, vamos ver como é o caminho do sinal de áudio desde o momento de sair da guitarra até chegar no pedal. A primeira etapa é quando o músico faz as cordas da guitarra vibrarem (bate nas cordas com a palheta ou dedos). Essa vibração das cordas produz as ondas sonoras. Essas ondas são mecânicas, invisíveis e se propagam pelo ar. Agora, como essas ondas sonoras chegam no pedal de efeito??? O componente mais importante para que isso aconteça é o captador da guitarra. Ele é o responsável pela transformação da onda mecânica gerada pela vibração das cordas em um sinal elétrico.

Figura 1: Vibração das cordas da guitarra.

Agora vamos tentar entender um pouco sobre como funciona a captação da vibração das cordas da guitarra. Essa parte da explicação é meio abstrata, mas vamos tentar deixar simples! Um captador de guitarra é composto basicamente por 6 imãs e um fio enrolado (bobina). Teste em casa você mesmo! Pegue um objeto de aço (uma chave de fenda, tesoura, prego) e coloque perto do captador. Você vai ver que ele vai ser atraído pelo captador.
Agora vem a grande mágica da ciência: transformação de um campo magnético variável em corrente elétrica. Graças a esse efeito, podemos ter energia em nossas casas (quem quiser saber um pouco mais sobre o funcionamento de uma hidroelétrica, veja o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=1QDosHWmRcM). Bom, deixando de lado a hidroelétrica e voltando a falar de guitarra, o que acontece na guitarra é parecido. As cordas (que são feitas de aço e consequentemente são atraídas pelo imã), ao vibrarem, afetam o campo magnético que está localizado entre as cordas e os imãs. Ao perturbar esse campo magnético, cria-se um campo magnético variável. Essa variação cria uma corrente elétrica no fio que está enrolado no núcleo. Esse é o sinal elétrico da guitarra que segue para o cabo e depois para o pedal. A Figura a seguir ilustra esse procedimento:

Figura 2: Geração do sinal elétrico da guitarra.

Caso você não tenha entendido muito bem como funciona todo esse esquema, não tem problema. O principal objetivo aqui é entender que, ao tocar as cordas da guitarra, o captador faz uma mágica que transforma essa vibração em um sinal elétrico, que segue para o cabo da guitarra e para o pedal.
Agora vem a pergunta: “Tá... Mas esse sinal é elétrico, então consequentemente ele é digital?” A reposta é não! Esse sinal é analógico e entra no pedal de efeito sendo um sinal analógico. O processamento desse sinal pelo pedal é que pode ser feito de forma analógica ou digital.

Sinal analógico X Sinal digital

A grande diferença entre um sinal analógico e um sinal digital é que, para ser obtido o sinal digital, é necessário transformar o sinal elétrico analógico (que sai da guitarra) em um sinal digital, que é processado pelo pedal. Mas o que seria um sinal digital? Vamos tentar entender essa diferença entre analógico e digital através do desenho da Figura 3. O desenho à esquerda é feito por uma linha contínua, sem interrupções e representa o sinal elétrico de áudio que sai da guitarra. Já o desenho da direita, é o desenho da esquerda no formato digital. Veja que ele possui apenas algumas informações e não é contínuo.

Figura 3: Analógico x digital.

Agora vem a questão. Como saber se um sinal digital é tão bom quanto um analógico? Veja a Figura 4.

Figura 4: Qualidade de amostragem do sinal analógico.

Temos o mesmo sinal digitalizado com qualidades (resoluções) diferentes. Repare que no primeiro e no segundo caso, é nítida a diferença entre o sinal analógico e o sinal digital. Já para o terceiro sinal, nem percebemos a diferença entre o analógico e o digital. Quem é responsável por essa qualidade é um parâmetro chamado “frequência de amostragem” (em inglês, sampling frequency ou sample rate). Outro parâmetro importante no processo de digitalização é a quantidade de bits (esse tópico será discutido mais a frente!) utilizada. Esse parâmetro é responsável pela quantização da amplitude digital (esse assunto não será abordado nesse texto, futuramente faremos uma matéria sobre isso). Você já deve ter visto algum desses termos nas especificações de pedais digitais ou softwares de gravação.
Resumindo, quanto maior a frequência de amostragem, mais pontos do sinal analógico estarão presentes no sinal digital e mais ele vai se assemelhar ao sinal analógico. Esse é o primeiro ponto para saber se um pedal de efeito digital é de qualidade: Precisamos olhar qual é a frequência de amostragem utilizada no pedal. Agora... como quantificar essa qualidade? Como saber qual sample rate mínimo para que a digitalização seja imperceptível sonoramente?
Antes de continuarmos, precisamos de uma informação importante: O ouvido humano consegue perceber sons de frequências presentes na faixa de 20Hz a 20kHz. Ou seja, as frequências importantes dos sinais de áudio estão nessa faixa. Fora dessa faixa, poderíamos cortar tudo que não faria diferença nenhuma para nossos ouvidos. Se você está interessado em tocar para seu cachorro, gato ou morcego, aí é outra história... (o ouvido deles difere sons de frequências mais altas que 20kHz). Mas vamos nos ater ao ouvido humano!
Então, como saber qual a frequência de amostragem que consiga digitalizar com qualidade toda essa faixa de frequências? Para essa pergunta, usamos um teorema feito pelo engenheiro Harry Nyquist chamado de “Teorema de Nyquist” ou “Teorema da Amostragem”, que fala que a frequência de amostragem de um sinal deve ser pelo menos o dobro da maior frequência desse sinal. Ou seja, no caso do sinal de áudio, a maior frequência seria 20kHz, o dobro disso é 40kHz. Assim, uma frequência de amostragem de 40kHz é aceitável para sinais de áudio. Talvez você já deve ter visto em algum lugar a frequência de amostragem de 44,100 kHz. Essa é a frequência de amostragem utilizada na grande maioria das músicas comerciais gravadas em CD. Perceba que é um pouco mais do que o dobro dos 20kHz.
Chegamos a um ponto interessante. Oras... Se o sinal for amostrado de forma correta e possuir resolução relativamente boa (conversor analógico-digital de 16 bits para cima), então o sinal digital é tão bom quanto o analógico. Sim, isso é verdade, pois não conseguimos perceber sonoramente essa diferença caso o sinal seja amostrado corretamente. Mas uma coisa é certa: Um sinal digital NUNCA será tão contínuo quanto um sinal analógico. Sempre serão pontos amostrados. Os mais puritanos utilizam esse argumento para questionarem a qualidade dos sinais digitais. Teoricamente e filosoficamente eles podem até estar corretos, mas se não percebemos essa diferença auditivamente, qual seria o sentido de falar que um é melhor que o outro?

Processamento analógico X Processamento digital

Para concluir, vamos expor mais um ponto importante da nossa discussão. Sabemos que para um sinal de áudio digital ser tão bom quanto um analógico, ele deve ter sido amostrado com uma frequência de amostragem de pelo menos 40kHz. Contudo, há mais uma questão a ser abordada no processamento digital de efeitos de guitarra. Essa questão é referente a características singulares presentes no processamento do áudio pelos pedais de efeito. Tais características singulares não são facilmente representadas digitalmente. Um exemplo é o pedal de distorção, que altera o sinal original através da saturação de componentes gerando inúmeros harmônicos (em breve faremos um post sobre o que são harmônicos) nesse sinal. Mas em suma, o que acontece é que o sinal de áudio começa a ter características que demandam uma frequência de amostragem muito superior e um processamento digital muito complexo.
Além desse exemplo, existem outras características singulares relativas aos próprios componentes, e são muito difíceis de serem reproduzidas. É o caso, por exemplo,  da válvula (presente em alguns circuitos de distorção) que esquenta com seu funcionamento. Esse efeito térmico de certa forma afeta no som gerado. Como digitalizar isso??? Vários estudos foram e ainda estão sendo realizados sobre formas de implementação de efeitos digitais na tentativa de digitalizar essas características presentes nos pedais de efeitos analógicos. Para quem gosta de textos acadêmicos, deixamos aqui uma sugestão para quem quer conhecer um pouco mais sobre um estudo realizado nesse sentido: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/167604.
E você? O que acha sobre o assunto? Qual a sua opinião? Tem preferência por pedais analógicos ou digitais?  

P.S.: Deixamos aqui um Post Scriptum de um ponto que achamos importante de ser abordado. Ao pesquisar sobre alguns pedais de efeito, vimos um vídeo falando que um pedal que estava sendo vendido era totalmente analógico porque não utilizava CI e só usava transistores e componentes passivos. Isso é besteira! CI (que quer dizer circuito integrado) é um aglomerado de componentes que são encapsulados (aqueles componentes que se assemelham a uma barata). Existem CIs que fazem processamento digital, mas também existem CIs que fazem processamento analógico, é o caso dos ampops (amplificadores operacionais).